I'm going under

blurring and stirring the truth and the lies

Fitou-se por alguns instantes no espelho tentando reconhecer a pessoa que lhe encarava de volta. Seu olhar havia perdido o brilho, seus lábios estavam pálidos, e se não fosse pelo aspecto roxeado bem abaixo dos olhos, sua pele estaria tão branca quanto a neve. De maneira automática, levou sua mão a barriga como se ainda carregasse o filho que tanto desejara. Engoliu em seco, ao ter os flashbacks de suas últimas semanas. Tudo havia mudado tão rápido. Seu casamento havia sido desfeito. Friederich nunca compreendera aquele seu desejo de ser mãe, e ela nunca compreendeu porque ele havia quebrado a promessa que lhe fizera no altar. Ela havia deixado tudo por ele, fora contra seus irmãos, brigou com seus pais, abandonou seus amigos, talvez isso fosse o que mais lhe doía. Ela havia dado o mundo para alguém que apenas lhe jogava migalhas. Respirou fundo, e lançou uma camada de seu corretivo na parte inferior dos olhos. Quando os fechou, novamente aquela sensação ruim a invadira. Era como se estivesse a rolar as escadas novamente e Friderich não se importasse, suas palavras frias dizendo que ele não seria pai de uma aberração ecoaram pela sua mente. Ele estava bem ciente do que ela era, quando resolveu se casar com ela, e agora era como se o amor estivesse se dissolvido de uma hora para outra. Sentiu um arrepio percorrer todo o seu corpo, não queria ter mais aqueles flashs, as mãos de Friederich sobre seus ombros a empurrando, desejou mil vezes ter morrido naquela queda, porque viva era como se estivesse a reviver a queda e a perda de seu filho todos os dias.

Respirou fundo, retirou seu velho moletom e colocou um jeans básico e uma jaqueta preta de couro que fosse bem quente para suportar o frio lá fora, pelas ruas tentava se equilibrar no salto alto que há pouco havia se desacostumado. Quando um leve chuvisqueiro começou a cair, amaldiçoou Reagan que insistira tanto para que ela se encontrasse com ele, por mais que ela quisesse seu moletom, seu pote de sorvete e filmes de drama, talvez fosse melhor acordar para o mundo real mesmo. Nada mais seria como antes e ela precisava aceitar isso. Quando adentrou o bar, que estava lotado por sinal, sentiu uma leve onda de calor tomar conta de seu corpo, retirou sua jaqueta de couro e deixou sobre a cadeira ao seu lado que estava vazia. Se não pela simpatia contagiante que conseguia expressar mesmo estando a beira de se jogar de um precipício, dificilmente teria conhecido tão cedo uma mesa vazia. _Uma Helles, por favor. Disse ao garçom, deixando em seus lábios o sorriso forçado que havia praticado mais cedo. Seus dedos tamborilavam inquietos sobre a mesa. Não via seu amigo há alguns meses, tinha medo de que ele dissesse algo do tipo “eu te avisei”. Bem, não fora somente ele que avisara. Mais isso já não adiantava mais, todos os danos possíveis e imagináveis já haviam sido causados.

I'm going under

blurring and stirring the truth and the lies

Cada segundo se sua espera, parecia se tornar uma eternidade na qual os pensamentos e todo o passado pareciam a corroer por dentro. Em meio a todo o alvoroço do bar, pode distinguir a voz de seu amigo ao longe. Fora como se todo o seu corpo estremecesse, parte de si queria poder abraça-lo como uma criança que levou um tombo e que quer chorar profundamente até que não houvesse mais dor. Instantes depois aquela mesma voz, estava ao seu lado perguntando se estava um pouco melhor. Manteve-se estática por alguns segundos, como se estivesse criando certa coragem para encarar Reagan. _Não tá fácil, cada dia é como se eu despencasse ainda mais. Murmurou baixinho, mais para si do que para seu amigo. Respirou fundo, como se calculasse as palavras certas para se dizer. Poderia ter mentido que tudo estava bem, que já havia superado, mas dificilmente ela conseguiria levar essa farsa adiante, além do mais ele a conhecia melhor do que ninguém. _Você não incomoda, você sabe disso, eu quem devo ser um estorvo na sua vida. Levantou sua cabeça de maneira tímida deixando com que seu olhar, minunciosamente maquiado para esconder o clarão de noites e noites sem dormir, se encontrasse com os de Reagan. _Eu acho que devo te pedir desculpas pelas coisas horríveis que eu te falei, você sabe naquela última vez que nos vimos... Eu realmente estou arrependida, mesmo que tardiamente e depois de ter levado uma rasteira da vida. Me desculpa.. Seu olhar parecia transmitir certa dor, suas palavras carregavam um tom emocional grande. Era difícil para ela assumir que brigara, com o seu melhor amigo por uma pessoa que atualmente não valia nada.

I'm going under

blurring and stirring the truth and the lies

Pela primeira vez em vários dias, um sorriso tímido não tão largo como costumava ser, porém verdadeiro se fez no rosto de Ariel. Mesmo com o seu jeito duro e algumas vezes meio insensível, ela sabia que ele queria apenas o seu bem. Talvez devesse ter confiado um pouco mais nos instintos do amigo antes de se envolver com um trouxa qualquer. Respirou aliviada, como se um grande peso fosse retirado de suas costa. Era boa aquela sensação de ter o velho amigo de volta, se agarrou a pequena possibilidade de que as coisas poderiam retornar aos eixos mesmo que de centímetro em centímetro. _Se eu não tiver aprendido a lição, na próxima vez que eu tentar fazer algo parecido peça para que me amarrem em uma camisa de força. Estendeu sua mão sobre a mesa, e de maneira firme apertou a mão de seu amigo. _Senti tanto a sua falta...

Confessou em uma maneira quase que desesperada. Fora interrompida, pelo garçom que trazia a bebida que havia pedido há algum tempo atrás. Levou sua mão ao copo e bebericou um pouco daquele liquido amargo que fez com que ela franzisse o cenho. A cerveja mais famosa que eles serviam ali, parecia ter caído um pouco no quesito qualidade. _Você teve sorte de não ter pedido uma Helles, Está horrível! Disse fazendo uma careta esdruxula mas que mesmo assim, ela continuava linda. _Prova um pouco. Empurrou o copo ao amigo. Aquilo era tão típico dela. Se ela provasse algo ruim, alguém provaria junto com ela. Fitou Reagan por alguns instantes, era impossível de acreditar que ele estava ali, bem a sua frente, era como se pudesse ter um desses dejavus, e então ela fora capaz de se lembrar de quando o conhecera e desde então ele viera a ser para ela o irmão mais velho que ela nunca teve. _O mundo não gira em torno de Ariel. Pode ir logo me dizendo como você está e me deixando a par de todas as suas novidades e dos seus segredos mais sujos. Novamente fora capaz de esboçar um singelo sorriso, era incrível o efeito que aquela amizade boba, infantil mas ao mesmo tempo forte era capaz de deixa-la um pouco mais animada.

I'm going under

blurring and stirring the truth and the lies

Sua feição aos poucos se tornara preocupada ou melhor triste. Reagan era do tipo de homem que apenas ligava para o trabalho e Ariel tinha medo de que ele passasse toda a sua vida, sem ter outras prioridades. Mas talvez fosse melhor, ser como ele, teria menos possibilidades de se ter o seu coração partido em milhões de pedacinhos. _Você ficou sabendo foi? Disse um tanto quanto surpresa. _Não posso dizer que estou realizada, você sabe como é, um tanto quanto irônico eu me tornar chefe do setor da pediatria e não ter a minha própria criança para cuidar. Mordeu seu próprio lábio ao perceber as palavras que dissera, não queria voltar a remoer o passado. Respirou fundo, e pegou sua Helles novamente. _Refrigerante? Riu do comentário do amigo, sobre aquela ser uma bebida boa, se era pra ser um pouco mais saudável que fosse com o suco de alguma fruta pensou, mas não disse nada. Apenas esboçou um sorriso amigável ao amigo. _Digamos que eu e meus pais, não nos falamos mais, desde que eu dei aquele passo errado na minha vida. Tanto meu pai, quanto minha mãe deixaram bem claro, que se eu fizesse o que eu fiz, não seria mais filha deles. Creio que eles estejam morrendo ainda de vergonha por eu ter jogado o nome da família na lama. Certa vez encontrei com uma tia minha, ela me disse que eles haviam viajado para o Canadá, acho que eles ainda continuam por lá. Revirou os olhos, era difícil falar sobre aquilo. Reagan provavelmente não sabia sobre o distanciamento dela com os pais. Observou a sua volta, tendo a certeza de que ninguém estava a fita-los e então cautelosamente retirou a varinha de seu bolso, e transfigurou a sua cerveja em um uma bela taça de sunday. _Agora sim está perfeito. Quer um pouquinho? Seus olhos brilhavam feito os de uma criança que ganhara um brinquedo novo. Provavelmente aquele seu ato impensado em um local repleto de trouxas lhe renderia alguma bronca de seu melhor amigo. Mas os fins justificavam os meios, pensou deixando com que um sorriso maroto se desenhasse em seus lábios.

I'm going under

blurring and stirring the truth and the lies

Já estava pronta para abocanhar seu sorvete quando o viu sendo puxado para longe de si, franziu o cenho e olhou indignada para o amigo. _Hey, devolve aqui. Disse de um jeito manhoso. Tentando puxar a taça para perto de si novamente. Apenas aquietou-se um pouco quando a voz de Reagan se sobressaíra de um modo um tanto quanto exacerbado. _Eu sei que você quer ficar com a taça todinha pra você. Disse ainda fazendo birra, como uma criancinha. Segurou o riso, quando ele ficou se explicando para o garçom se indagando se todo aquele alarde era mesmo necessário. _Nada justo você pegar um pouco, de certa forma então estás sendo o meu cúmplice nesse ato ilegal. Disse puxando a taça novamente para perto de si. _Iremos os dois presos então. Arqueou sua sobrancelha direita e deixou com que um leve sorriso tomasse conta de seus lábios. O que parecia impossível havia acontecido, ela havia feito mesmo que timidamente seu melhor amigo sorrir. Levou ambos as mãos no rosto de Reagan e posicionou cada indicador, em um canto do lábio de Reagan puxando ainda mais o seu sorriso. _Viu não é tão difícil assim. Observou o olhar fuzilante do amigo e voltou para o seu lugar. _Prometo que vou ficar quietinha agora, ou não. Disse em um tom meio duvidoso.

I'm going under

blurring and stirring the truth and the lies

Era como se pudesse ser criança novamente. Como se Reagan fosse aquela mesma criança de sua memória, que corria sem rumo pela sua casa, a empurrando contra o joelho no chão, pegando seu último chocolate e comendo sem dividir. Esboçou um amplo sorriso em sua face. _Aguentar as consequências, sei, vamos ver quem pede para sair primeiro. Uniu seus lábios em um biquinho de criança emburrada. Pegou o guardanapo que estava a sua direita e limpou a ponta de seu nariz. _Não vou deixar barato. Começou então a traçar o seu plano de vingança contra o amigo. Pegando a colher do sorvete e a enchendo-a, sem seguida curvando-a e tacando todo o sorvete no amigo que ficara todo lambuzado. _Guerrinha de sorvete. Brincou. Mesmo que Reagan tentasse se manter duro, sério Ariel sabia que ele estava se divertindo. Levantou-se de sua cadeira e jogou de maneira desordenada os braços sobre o amigo._Não faz essa cara de bravinho, eu ainda posso ver aquela criança doce e meiga que existe em você. Brincou.Com medo de que o amigo resolvesse ter sua revanche, deixou com que uma expressão angelical tomasse conta de sua face. Pegou um guardanapo e entregou a Reagan. _Pobre criança, se lambuzando toda. Disse em meio a risos, enquanto o amigo se limpava.

There’s something inside you. It’s hard to explain

Dezembro havia chegado e trazido consigo não apenas as amenidades e festejos do espírito natalino que sobrevoava toda a Alemanha como um espectro invisível; não. Havia trazido, também, a natureza dos polos, à medida que a massa gelada e opressiva sobrevoava todo o país, criando as habituais nevascas. A neve pendulava tranquila do céu, vertendo oblíqua contra a luz amarelada dos postes de iluminação, que concediam às ruas de Munique um aspecto febril e colérico, como são todas as ruas da Europa após o crepúsculo. Hilda ajeitou o Trench Coat, apertando-o mais contra o corpo e cingindo com mais força o laço afivelado que contornava sua cintura, prendendo a vestimenta contra seu corpo.

- Boa noite… Disse, dando um sorriso apagado e distante para a recepcionista do bar, antes de cruzar a porta. Retirou o gorro que vestia, soltando os cabelos e movendo-os com a languidez de um cisne. Eles pareciam romper a barreira do provável, reluzindo como ouro à medida que a iluminação dos lustres incidia sobre eles. Automaticamente, todos os homens do recinto voltaram sua atenção para ela, e ela sabia do que aquilo se tratava, porque desde cedo sua genética se manifestava naquele sentido, e, às vezes, era infeliz que assim o fosse pelo puro e simples fato de não gostar de ser o centro das atenções. Mas se era impossível vencer os apelos genéticos da manifestação de seu dom, que ao menos arcasse com eles. Ser uma meio-veela tinha seus momentos de dificuldade. Bem, vocês sabem: ser uma mulher bonita tem lá suas vantagens – muitas vezes maiores do que realmente deveriam ser -, mas por trás de tantos grandes momentos, há também os ônus de ser sempre uma espécie de alimento raro servido à bandeja para predadores famintos. E era assim que se sentia naquele instante.

Estufou o peito, como se nada estivesse ocorrendo, e cruzou toda a extensão do estabelecimento, ignorando os olhares que caíam sobre ela. Seu semblante se mantinha impassível, seus olhos convencidos em se manterem estagnados no alvo – no caso uma mesa vazia – que havia encontrado um pouco distante. No percurso, entretanto, viu uma mulher loira, alta – na verdade, quase exatamente da sua altura – se sentar no lugar preciso onde havia marcado. Fechou os olhos, olhando para o ar... azar, apenas azar, pensou. - Eu não dou uma dentro nem para escolher lugar… Quis dizer para si mesma, mas a voz ressoou alta o suficiente para que a mulher pudesse ouvir. Ficou olhando o local, um pouco desolada. Aquela era a última mesa para fumantes que estava vaga no estabelecimento, além das mesas exteriores, onde a neve tombava. De fato, não parecia ser o seu dia de sorte...